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C//SUITE: Errar no trabalho: do fracasso à vantagem competitiva

Anos de pressão competitiva, disseminação seletiva de histórias de sucesso e alguns ideais disseminados pelas políticas de Qualidade Total (aquelas que buscam pelo “zero defeito” ou fazer sempre certo da primeira vez) geraram uma expectativa, tanto irreal, quanto frustrada, de que os bons profissionais ou as boas organizações são aquelas que não cometem erros.

Se você vem praticando esta crença, tenho uma importante revelação: você está errado!!

Os estudos acadêmicos modernos sobre a Administração e Gestão, ao contrário do senso comum, apontam que a aversão ao fracasso e a incapacidade de reconhecer que falhas nos processos de trabalho são inevitáveis, trazem maiores prejuízo à competitividade dos negócios do que o próprio erro em si. Listo abaixo os argumentos para esta nova visão:

Risco à Adaptação

Acreditar que algo feito “certo” hoje será julgado da mesma forma no futuro é arriscado. Na década de 80, permanecer vários anos na mesma empresa parecia ser uma situação correta a se buscar. Hoje, várias organizações julgam este comportamento como o potencial retrato de profissionais que retêm vícios e um perfil acomodado.

Da mesma forma, era típica a disseminação de uma postura organizacional de dedicação excessiva ao trabalho, veladamente incentivadora do “vestir a camisa” como argumento para virar noites nos escritórios ou normalizar humilhações para quem não cumpria as metas. Atualmente, com o reconhecimento do burnout como doença laboral e os processos trabalhistas por assédio, dificilmente a régua de julgamento para avaliação do desempenho pode ser a mesma.

O problema está em se utilizar um molde que deu certo no passado para julgar a maneira como organizações e trabalhadores agem no presente e futuro. A adaptação aos contextos sociais e do mercado não só exige que as práticas sejam revisadas a todo momento, como torna a verdade contextual fluída, tornando-a incapaz de se tornar um parâmetro perene de avaliação e desempenho.

Nas organizações, pessoas tendem a se comportar conforme seus líderes determinam e julgam certo. Se o critério de julgamento está ultrapassado, a chance de estarmos nos comportando de forma incompatível com as exigências competitivas aumenta. Além disso, os exemplos acima reforçam que o que é errado hoje pode ser o certo amanhã, e vice-versa.

Responsabilização exclusiva a quem executa

A cultura de aversão ao fracasso gera uma série de prejuízos ao ambiente organizacional. Primeiro, porque tende a transmitir uma busca de culpados ao invés de soluções que previnam que o mesmo tipo de erro volte a ocorrer no futuro. Cerca de 1/3 das empresas, quando constatam falhas em seus processos, simplesmente não tomam nenhuma atitude para impedir novas ocorrências. Talvez, porque estejam mais preocupadas em encontrar quem se sentará no banco do castigo, do que propriamente melhorar a si mesma como organização.

Depois, porque esta cultura estabelece que os indivíduos, por preguiça, desatenção, desmotivação, indolência, etc são sempre os únicos responsáveis pelas falhas. Mas se assim fosse, porque profissionais que executam tarefas exatamente como foram programadas, plenamente comprometidos e atentos, ainda geram resultados aquém daqueles esperados pelos clientes?

A resposta aqui está: mais da metade dos erros cometidos em uma organização ocorrem por carências estruturais do ambiente de trabalho (22,2%), pela falta de formalização dos procedimentos (21,5%) ou por dificuldades de comunicação ou relacionamento entre equipes/departamentos (9,6%). Erros isolados em indivíduos representam apenas 6,9% de todas as falhas. Estes são resultados de pesquisa acadêmica que conduzi, mediante respostas de 261 profissionais de mercado, em diversos níveis, idades e setores.

Este número parece deixar claro que boa parte das falhas surgem do preparo inadequado das formas de trabalho ou da ausência de atuação dos líderes em reconstruir ou montar sistemas mais eficazes. Porém, proporcionalmente, também parece declarar ser mais fácil responsabilizar quem faz do quem desenha e gere a forma de trabalho.

Os reflexos disso são óbvios: as pessoas tendem a ocultar seus erros para não serem julgadas ou punidas, no mínimo, atrasando a oportunidade da empresa corrigir rapidamente seus processos; isto prejudica a comunicação e estimula a busca de culpados ao invés de soluções. Gera-se um sentimento de frustração e medo incompatível com a motivação e criatividade.

Contenção de Criatividade e Aprendizado

A associação entre competitividade e inovação é direta. Quando conseguimos ver e executar estratégias de forma diferente e melhor que os concorrentes, largamos na frente. Porém, como ver o sucesso pronto sem considerar que ele não nasceu feito? Todo case positivo traz em si uma série de tentativas e erros que foram aperfeiçoando ideias e operações, até que se chegasse ao modelo mais satisfatório possível, em seu tempo.

Difícil não imaginar o seguinte fluxo. Inovação decorre de criatividade. A criatividade decorre da capacidade de pensar diferente. Pensar diferente envolve risco. Risco produz erro. E erro deve produzir aprendizado. Aprendizado produz organizações e profissionais melhores.

Então, como manter uma organização criativa e competitiva se o erro, produto da inovação e insumo do aprendizado não é acolhido como parte do processo de trabalho?

O erro é inevitável, mas previsível

É ilusão imaginar que um procedimento, na sua execução, ocorrerá exatamente como seu autor o concebeu. Há tantas variáveis presentes em tudo que fazemos, que se nossos planos saíssem como gostaríamos, é bem provável que as Ilhas Maldivas estivessem enfrentando sérios problemas de superpopulação.

Acolher o erro não significa “passar o pano” ou aceitar as falhas com normalidade, até que o cliente reclame ou sofra. Significa que reconhecemos que eles vão acontecer nos processos produtivos, e que sua presença deve ser prevista, prevenida, gerenciada e eventualmente estimulada, quando os fluxos de trabalho são construídos.

Uma vez que se assume que um processo pode não acontecer como esperamos (e esta pode ser uma conclusão difícil para o mais otimistas ou pretensiosos) é hora de separá-los entre os erros inaceitáveis (falhas de segurança, risco de morte, desvios de conduta, etc) e os que fazem parte do rito de amadurecimento ou exploração de oportunidades desenvolvidos em uma organização. Para cada ponta deve-se adotar contramedidas ou redes de proteção que contenham as suas consequências nocivas à perenidade e competitividade.

 

 

  Ronie Oliveira Reyes
  Mestre em Administração, Diretor Administrativo NWGroup

 

 

 

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